Sobrevida do veículo a combustão é oportunidade para atualização das fábricas locais a um custo menor
Recentemente a revista Automotive Business publicou uma matéria sobre as particularidades da produção de automóveis elétricos e a combustão no mercado brasileiro. Com o título “Brasil abre as portas para linhas de montagem importadas”, o artigo fala da corrida pela eletrificação da frota circulante em países desenvolvidos não transformou apenas veículos e a mobilidade urbana, mas também os meios de produção. Afinal, produzir automóveis elétricos tem suas particularidades, e a então configuração das fábricas, com equipamentos, processos e logística moldados para o carro a combustão, virou algo aparentemente obsoleto.
As linhas de montagem modernas, que foram concebidas para produzir em larga escala, com equipamentos de última geração, deixaram de cair na vala da inatividade para ganhar sobrevida nas filiais de montadoras instaladas em países onde os veículos a combustão ainda terão anos pela frente.
As diferenças entre o processo de eletrificação veicular entre países ricos e aqueles em desenvolvimento viabilizou uma espécie de temporada de caça às linhas de montagem motores, transmissões e outros componentes que fazem parte da arquitetura do veículo a combustão.
Isso porque este acesso ao equipamento de fábricas no exterior proporciona um enorme e vantajoso corte de custos às fabricantes instaladas aqui. Seria possível investir menos, por exemplo, na construção de um ativo para produzir componentes para veículos híbridos, uma vez que os equipamentos já foram amortizados pelas matrizes no passado.
A importação dessas linhas é uma atividade incentivada pelo Programa Mobilidade Verde (Mover), que será a próxima política industrial que dará as diretrizes para o setor automotivo nacional. No capítulo quatro da medida provisória (MP) consta a possibilidade de habilitação de projetos de relocalização de unidades industriais, linhas de montagem ou células de produção, conforme procedimentos de importação de bens usados, para a produção de produtos automotivos.
As empresas que realizarem esta operação, segundo as regras do Mover, poderão apurar crédito financeiro correspondente ao imposto de importação dos equipamentos industriais recebidos. Hoje, quem importa linhas e equipamentos paga o imposto de importação referente à categoria.
"O processo de produção de veículos híbridos e seus componentes, por exemplo, demanda um altíssimo investimento que demora para dar retorno porque, para isso, é preciso escala, e o nosso mercado ainda é pequeno. A importação das linhas, em outras palavras, acelera o processo produtivo de uma forma mais barata", disse Henry Joseph Jr, diretor técnico da Anfavea, associação que representa as montadoras.
Disse ainda que a importação que será feita pelas empresas homologadas no Mover, não ficará restrita apenas aos equipamentos ligados à eletrificação. Haverá também o desembarque de linhas que produziam componentes para tecnologias voltadas para a combustão interna que ainda são inéditas nos veículos Made in Brazil atualmente.
"Ainda há muito o que se avançar em termos de injeção de combustível, recirculação de gases gerados pela combustão interna, filtro, centrais eletrônicas... A eletrificação é o futuro, mas o motor ICE (motor de combustão interna) ainda pode ser mais limpo do que já aqui no Brasil", completou o representante da Anfavea.
Para Marcus Vinicius Aguiar, presidente da Associação Brasileira de Engenharia Automotiva (AEA), a medida poderá inserir o país no contexto mundial de produção de transmissões automáticas, algo que ainda não aconteceu porque é algo que demanda uma operação custosa quando é colocada na mesa a equação ativo versus demanda.
"Vai ajudar a nacionalizar essa produção, com certeza. O incentivo chega justamente para isso, para elevar o patamar tecnológico da nossa produção nacional a um patamar mais alto, para trazer mais inovação e projetos de engenharia. No caso dos câmbios automáticos, é algo que pode, sim, acelerar a produção local", afirmou Aguiar.
Não é apenas o Brasil que está de olho nessas linhas de produção. Outros países onde o veículo a combustão também ganhou sobrevida disputam esses equipamentos. Como Turquia, Índia e, principalmente, o México, que mantém um parque produtivo exclusivamente para atender um mercado norte-americano que, curiosamente, guinou para o motor híbrido. Isso mesmo, as vendas de veículos híbridos nos Estados Unidos aumentam e as de elétricos esfriam.
"Nesse sentido entra o estado para nos dar condições para disputar a importação dessas linhas, porque as matrizes vão enviá-los para as operações com maiores possibilidades de volume e lucratividade", contou Joseph Jr, da Anfavea.
O que poderá ser favorável à indústria nacional nessa concorrência com outros países é uma outra tendência apontada pela Bright Consulting no horizonte, que é o processo de diminuição de dependência de fornecedores asiáticos, chamado de "nearshoring". Algo que pode trazer para o Brasil a produção de novos componentes.
Com o atual volume de investimentos anunciados para os próximos anos pelas montadoras instaladas no país, é possível que essa tensão em torno da disputa com outros países tenha de certa forma ficado mais branda. Já foram anunciados R$ 125 bilhões até 2032, recursos que, em sua maioria, vão financiar essa transição energética dos veículos.
O volume do investimento total poderá ser maior caso se confirme um aporte de R$ 6 bilhões por parte das autopeças. Este setor, inclusive, também poderá se beneficiar das importações da linhas. Para o Sindipeças, a entidade que o representa, ele poderá proporcionar oportunidade no exterior para os fornecedores. O Sindipeças se manifestou, inclusive, "totalmente favorável" ao incentivo à importação de linhas de montagem.
"Com a interrupção da produção desse tipo de tecnologia na Europa e nos Estados Unidos nos próximos anos, o Brasil, com cadeia completa de produção, torna-se forte candidato a assumir posição de destaque no mundo, como exportador de motores, veículos e autopeças para países da América Latina, África, Oriente Médio e da Ásia, onde a eletrificação será mais lenta. A oportunidade está sendo disputada por diversos países e precisamos aproveitá-la”, informou a entidade por meio de nota.
Além de movimentar o setor de autopeças, a importação de linhas de montagem proposta pelo Programa Mover também refletirá nos negócios do setor local de máquinas equipamentos. E de forma positiva, ainda que a importação denote uma eventual perda de espaço dos equipamentos nacionais dentro das fabricantes da indústria automotiva.
De acordo com João Alfredo, diretor executivo de tecnologia da Abimaq, a associação nacional dos fabricante de máquinas, todo processo de importação de linha também puxa a aquisição de equipamentos produzidos no Brasil, no sentido de adequar o conjunto que veio do exterior às especificações locais.
"Se essas linhas vão para algum lugar, que seja para o Brasil, porque o movimento acaba gerando negócios para os fabricantes locais de máquinas e equipamentos. Só o futuro vai dizer se o país está atrativo o suficiente para atrair esses equipamentos", disse Alfredo.
fonte: Automotive Business